quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Entrevista acerca do livro de Tiago:

A metodologia utilizada para realização desta pesquisa foi qualitativa. Entrevistamos seis pessoas de igrejas e cidades diferentes com o objetivo de identificar como é realizada a leitura do livro de Tiago nas comunidades eclesiais. Para realização da entrevista, que ocorreu ao longo do mês de novembro de 2009, utilizamos alguns trechos do livro acima citado. A identidade dos entrevistados será ocultada. Seguem abaixo as perguntas e respostas da pesquisa.
Questões:
01- Como conciliar o conceito de Tiago, de que a tentação tem origem na pessoa, com o conceito atual de que a tentação vem do ambiente externo?

02- Analise a relação entre Tiago 2.20,24 e 26 “Mas queres saber, ó homem vão, que a fé sem as obras é estéril? Vedes então que é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé. Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” e o texto de Efésios 2.8,9 “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”.

03- O texto de Tiago propõe o uso do óleo para a cura da enfermidade (Tg.5.14,15). Como você vê a realidade desse texto para nossos dias?

04- Como você vê a relação entre ricos e pobres apresentada por Tiago (capítulo 5) em sua igreja hoje?

05- Em sua opinião, qual é o tema central da epístola de Tiago?
Abordagem geral das respostas:

01- Todos os entrevistados consideram que a tentação tem origem tanto na pessoa quanto vem do ambiente externo.

02- Três dos entrevistados afirmaram que os dois textos abordam questões diferentes. Os demais não chegam a afirmar diretamente isso. De modo geral, a compreensão é que o texto de Efésios aborda a questão da salvação pela por meio da fé e da graça, enquanto o texto de Tiago revela que as obras são a confirmação da fé.

03- Esta questão da utilização do óleo para a cura da enfermidade foi a que mais apresentou divergência entre os entrevistados. Dois deles afirmaram que o óleo trata-se apenas de um símbolo bíblico. Um deles afirmou que sua utilização não é mais necessária em nossos dias. Outros dois afirmam que o uso do óleo continua a ter validade. Um não respondeu à questão.

04- Quanto à relação entre rico e pobre dentro das igrejas, apenas dois entrevistados consideram que há uma relação de privilégio do rico em detrimento do pobre. Dois afirmam que essa relação é saudável em sua comunidade, e outros dois não se posicionaram.

05-Os temas centrais suscitados pelos entrevistados:
· Jesus não está interessado no aspecto místico da nossa fé, mas na nossa disposição em fazer a Palavra se tornar palpável na nossa vida;
· Fé sem obras, apenas religiosidade;
· Uma vida cristã prática;
· A fé que produz obras, mas também pode ser instrução para uma igreja sadia;
· Fé, dom de Deus;
· Submissão a Deus.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A EPÍSTOLA DE TIAGO

INTRODUÇÃO

A carta de Tiago é situada por Brown entre as epístolas católicas, que embora tenha sido refutada por Lutero, é considerada, em nosso tempo, como escrito de maior consciência social do Novo Testamento. Koninjes e Krull o tratam como uma coleção de pensamentos tirados da pregação do apóstolo, ou ainda, de uma coletânea de conselhos e advertências, encadeada de modo a facilitar a memorização.
O espírito que emana da carta é que a existência cristã é um tempo de provação para testar nossa fidelidade àquilo que recebemos de Jesus, o que concretamente significa cuidar dos desprotegidos, órfãos, viúvas; não discriminar os humildes; não dominar a comunidade pela língua; nem dividi-la de outra maneira; cuidar dos enfermos e pecadores. “E de modo especial, para os ricos na comunidade, não se deixar endurecer pela ganância” (KONINJES e KRULL. pg 23).
Partindo do texto de Carrez, é possível afirmar que o escrito de Tiago se apresenta como uma carta: traz endereço característico, o nome do expedidor e quem são os destinatários. Kümmell, Koninjes e Krull, e Brown também consideram que Tiago, em seu conjunto, dá a impressão de ser um ensaio redigido sob a forma de epístola ou carta. O primeiro deles, porém, considera que os leitores não podem ser nitidamente definidos.
Na perspectiva de Carrez, por terminar de forma abrupta, o texto dá a impressão de inacabado. Ele não revela a existência de uma relação pessoal entre o remetente e os destinatários. Tampouco nos permite situá-lo no tempo e no espaço, mas apenas que sejam levantadas respostas hipotéticas.
Devido à presença marcante de passagens que nos remetem ao Antigo Testamento, como citações de Abraão (2,21-23), da prostituta Raab (2,25), do profeta Elias (5,17), entre algumas outras, Carrez afirma que certos estudiosos chegaram a considerar este livro como um escrito não apostólico, ou ainda um escrito judaico atribuído ao patriarca Jacó e dirigido às doze tribos. Quanto à estruturação do texto, apresenta-se aparentemente como uma série desordenada de exortações (morais) gerais, sem uma reflexão teológica mais profunda, e enraizada na fé no Deus do Antigo Testamento. O mesmo é escrito em grego, com um vocabulário elegante e raro, e com o emprego de recursos teóricos diversificados. A utilização desses recursos torna o texto atraente, apresar de austero no trato dos temas. Koninjes e Krull também argumentam que, apesar do texto possuir certa organização (os temas anunciados no começo são retomados no final), a carta não apresenta um plano sistemático.
Quanto à estruturação do conteúdo de Tiago, Carson, Moo e Morris (1997) afirmam que se trata de uma série de homilias sem muito relacionamento umas com as outras, que resiste a uma demarcação estrutural clara. Esses autores dividem o texto em cinco seções: 1-provações e maturidade cristã; 2- o cristianismo verdadeiro visto em suas obras; 3- dissensões dentro da comunidade (poder e perigo da língua; advertência ao cristianismo de concessões); 4- implicações de uma cosmovisão cristã (necessidade de levar Deus em conta em todos os planos que fazemos); 5- exortações finais.
A divisão proposta por Carrez é diferente. Ele estrutura a carta a partir dos capítulos da seguinte forma: cap.1- tema da provação tentação; cap.2 - organizado em torno do tema da fé; cap.3 e 4,1-10 - “não é às obras que se deve opor a fé, mas a uma vida que se contentasse com palavras” (pg.296); cap.4,11 - ao fim - trata do julgamento e da salvação. A divisão proposta por Brown assemelha-se um pouco a esta, porém de modo mais detalhado.
A partir de Kümmel é possível afirmar que as opiniões sobre a origem, o caráter, a época e o valor desta epístola divergem muito. Vejamos esses aspectos gerais do livro.

CONTEXTO AUTORIA

As informações impressas no livro não nos permitem concluir exatamente quem foi o autor, apenas que ele era um homem marcado pela cultura semítica, o que pode ser provado pela presença de expressões figuradas que procedem de tal cultura, como “ir em paz” e “os caminhos do homem”, por exemplo (CARREZ. pg 289); assim como pelas Escrituras judaicas, embora sob a perspectiva de um ambiente helenizado. Kümmel também concorda que o estilo de vida do autor estava de acordo com a tradição judaica e provavelmente se tratava de um cristão judeu. Segundo ele, não há apoio para a hipótese de que o autor tem como cidade de origem/residência a Galiléia. É possível que a epístola tenha sido redigida na Síria. O principal argumento é que a prova mais antiga da existência de Tiago no séc. III foi encontrada na Síria. Poderia ser qualquer lugar onde se encontre o cristianismo oriental. Roma seria o lugar mais improvável.
Em Brown encontramos que a figura apresentada como autor é “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Mas quem seria esse Tiago? Brown levanta algumas possibilidades, como Tiago filho de Zebedeu e Tiago irmão do Senhor. O candidato mais provável é Tiago mencionado entre os ‘irmãos’ de Jesus em Mc 6,3 e Mt13,55, um apóstolo, chefe e porta-voz da Igreja de Jerusalém, após a ressurreição de Jesus, e uma das pessoas mais importantes no cristianismo do NT. Para Brown, o dado mais importante do contexto é a imagem de Tiago como judeu-cristão conservador, leal à observância da lei, mas não um legalista extremado (ficou do lado de Paulo ao declarar que os gentios não precisavam circuncidar-se quando se convertessem - At 15 e Gl 2).
Morris afirma que a ausência de maiores detalhes é forte indício de que se trate de um Tiago bem conhecido.

DATAÇÃO
Encontramos datações diferentes nos autores pesquisados, o que evidencia que não se tem uma datação muito clara da composição dessa obra.
Koninjes e Krull afirmam que a epístola é datada de um tempo não muito distante do de Jesus. Algumas evidências disso são: ela não chega a mencionar a destruição do Templo no ano de 70 d.C.; o ensinamento aí presente é muito semelhante ao que se ensinava na Igreja de Jerusalém por volta dos anos 60 d. C.
Carson, Moo e Morris (1997) levantam 3 possibilidades de datação:
1. Tiago data de aproximadamente início ou meados de 40 d. C. Argumentos: foi possivelmente escrita depois de o ensino de Paulo começar a ter influencia e antes de Paulo e Tiago se encontrarem no Concílio de Jerusalém; não há indício de conflito entre cristãos judeus e gentios (o que seria de se esperar se a carta fosse redigida após o Concílio); a teologia da carta é relativamente pouco desenvolvida. Tomando com base os textos até aqui apresentados, pode-se afirmar que esta hipótese é pouco provável.
2. Início de 60 d. C., caso se tome Tiago, o irmão do Senhor, como autor da obra.
3. Fim do séc. I para aqueles que acreditam que a carta é pseudônima.
Para Carrez, assim como para Kümmel, a data da epístola de Tiago não pode ser determinada precisamente, apenas pode ser situada em fins do primeiro século.

DESTINO/DESTINATÁRIOS
Para Carrez, a carta de Tiago se trata de uma retomada meditada da tradição de algumas palavras de Jesus, porém adaptada para os judeu-cristãos do mundo grego, afim de que estes não perdessem os valores cristãos herdados do judaísmo primitivo através dos ensinamentos de Jesus. Segundo o referido autor, este argumento poderia ser utilizado para explicar a raridade das menções de Jesus.
Para Koninjes e Krull a carta é destinada a judeu-cristãos, provavelmente da Síria (região vizinha à Galiléia), que conservam os costumes do judaísmo. Tratar-se-ia de um público semelhante ao de Jesus, o que justificaria, de certa forma, a aproximação do texto de Tiago com o Sermão da Montanha e com as palavras de Jesus. Tem em comum com os evangelhos a forte insistência na prática.
Quanto ao local de origem da carta, Carson, Moo e Morris afirmam que o contexto social e econômico pressuposto no texto diz respeito aos destinatários e ao autor, e se coaduna com uma procedência palestina. Quanto aos destinatários, para os referidos autores, Tiago está incluído entre as epístolas gerais pois não se dirige a uma igreja específica, embora alguns aspectos da carta evidenciem que a mesma foi endereçada a cristãos judeus que viviam fora da Palestina. Kümmel também apresenta essa compreensão por ser uma epístola católica. Pode-se afirmar que os destinatários seriam um círculo mais amplo de leitores, que não podem ser nitidamente definidos. Trechos como o de 5.1-6 dão a impressão que a maioria dos possíveis leitores era pobre, embora houvesse a menção da presença de ricos (2.1-4 e 4.13-17).
Brown também afirma que há poucos indícios para definir essas questões. O contexto da carta sugere possivelmente Jerusalém ou a Palestina como local de origem. A exortação moral em Tiago é claramente direcionada a uma ou mais comunidades como uma voz contra a cultura dominante com o objetivo de corrigir os cristãos de dentro da igreja.
GÊNERO LITERÁRIO E AUTOR
UMA LINGUAGEM MUITO BELA


Para Carrez, nessa carta há mais menção de personagens do Antigo Testamento do que do próprio Jesus, além de alguns perceberem no texto um escrito mais judaico do que cristão. Lê-se uma série aparentemente desordenada de discursos morais muito gerais. A linguagem é particularmente elaborada, de rigor e elegância notórios. Percebe-se, por meio de expressões do texto, que o autor ou é de cultura semítica, ou pelo menos foi influenciado pelas Escrituras Judaicas. Mais ainda, o autor é, sem dúvidas, cristão. Mesmo Jesus sendo pouco citado, o eco de seus ensinamentos se faz ouvir. Há uma semelhança entre a epístola de Tiago e a tradição de Mateus, além de alusões aos sacramentos.
Já para Kumell, segundo 1,1 esta epístola é um escrito da autoria de um cristão chamado Tiago, dirigido “às doze tribos da Dispersão”. Tal designação atribuída aos destinatários é ambígua. Poderia indicar judeus residentes fora da Palestina, mas o conteúdo da carta não demonstra que se trate de um cristão falando a judeus. Falta, na verdade, qualquer indício peculiar a um escrito missionário. Se os leitores visados são cristãos, então poderíamos supor que cristãos judeus da Dispersão constituíssem os destinatários intencionais. O que para Kumell é igualmente improvável, porque, dificilmente se designariam cristãos judeus como sendo “as doze tribos”. A única possibilidade restante é a de que Tiago – no mesmo sentido que Gl.6.16; Fl.3.3; 1 Pd.1.1; 2.11; Ap.7.4; 14.1 - se dirija a cristãos, que constituem o verdadeiro Israel e que vivem na terra como num país estranho, pois tem como pátria o céu. Entretanto, isto não se acha claramente expresso.
Para Brown, em Tg.1.1, há uma fórmula introdutória, mas faltam informações sobre remetente, saudações envidadas e algo semelhante a uma fórmula conclusiva. Pode-se dizer que Tiago está mais próxima de uma epístola do que de uma carta, de acordo com a definição de Deissmann, embora tal distinção não se aplique a uma grande variedade de cartas.
Quais os gêneros literários e os estilos que podem ser identificados em Tiago? Essa coleção de observações e instruções morais, frequentemente em estilo gnômico e proverbial, apresentadas com forte tom exortatório, assemelha-se, no conteúdo e no estilo, a todo um corpo de literatura sapiencial do Antigo Testamento.
Para Brown, como acontece com alguns escritos judaicos do período helenístico, Tiago não hesita em usar gêneros conhecidos no mundo greco-romano para veicular seu ensinamento.
Apesar de estar explícito o expedidor da carta, Carrez diz que não se pode afirmar quem é o seu autor, já que as atribuições são dadas a diferentes “Tiagos”. Uma delas é dada a Tiago, irmão de Jesus, que sucedeu a Pedro à frente da igreja em Jerusalém; outra é dada a Tiago, filho de Alfeu, mas alguns autores o identificam como o mesmo irmão de Jesus; outra tradição identifica Tiago, irmão do Senhor, como Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João, que seria o autor da carta. É evidente a tendência de se reduzir à unidade várias pessoas do mesmo nome, assim como a tradição tratou as “Marias” e os diversos “Joões”.
Desde o princípio não houve unanimidade com relação à autoria da epístola. Orígenes a atribui a Tiago. Eusébio de Cesaréia, influenciado pelos escritos de Orígenes, não a autentica, mas a aceita a despeito de sua leitura em muitas Igrejas. Apesar de não ser identificado em Tg.1.1 nada que se obrigue a atribuição a um Tiago conhecido no Novo Testamento, isso não exclui a possibilidade de esta ser atribuída mesmo a Tiago, irmão de Jesus, já que este gozava de prestígio para poder se dirigir à comunidade judaica, mas não se pode ocultar as dificuldades de tal atribuição.
Para Johan Konings Esse Tiago “irmão do Senhor” desempenhou um papel de destaque na Igreja-mãe de Jerusalém. É citado como líder da Igreja de Jerusalém pelos Atos dos Apóstolos (At.12.17; 15.13; 21.18) e por Paulo (1 Cor.15.7; Gl.1.19; 2.9,12), e o titular da Carta de Judas intitulada ao Sermão da Montanha, leva a pensar que ela represente um ensinamento semelhante ao que se ensinava na Igreja de Jerusalém, pelos anos 60 d.C., antes da destruição do Templo. Seria assim um testemunho da fé da “Igreja da Circuncisão”, isto é, dos judeu-cristãos que ainda conservavam os costumes judaicos, os cristãos primitivos, por assim dizer.
Para Johan Konings não se deve esquecer que os judeus daquele tempo, fora (e mesmo dentro) da Palestina, usavam a língua grega. A carta de Tiago está escrita num grego muito eloqüente, cheio de figuras retóricas, provocações, exclamações, ironias. Não parece escrito por um lavrador ou pescador galileu, como eram provavelmente os outros três “Tiagos”.
Para Kumell apoiar a idéia de que o irmão do Senhor tenha sido o autor da epístola, fundamentalmente, existem apenas duas considerações: 1) a simples autodesignação (1,1), onde um homem obviamente bastante conhecido se identifica não pelo seu nome ou pela função que desempenha, mas como “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”; 2) os estreitos, mas provavelmente não-literários, pontos de contato com partes importantes da tradição evangélica.
Entretanto, tais argumentos, destituídos de grande peso, defrontam-se com dificuldades muitos sérias:
1. A linguagem culta de Tiago não é a de um simples palestinense.
2. É dificilmente concebível que o irmão do Senhor, que permaneceu fiel à Lei, pudesse ter falado da “perfeita lei da liberdade” (1.25).
3. Teria o irmão do Senhor realmente podido esquecer toda e qualquer referencia a Jesus e a seu relacionamento com ele, muito embora o autor de Tiago enfaticamente se apresente numa posição de autoridade?
4. O debate em 2.14ss, com um estágio secundário e mal compreendido da teologia paulina, não só pressupõe uma considerável distancia cronológica de Paulo – e Tiago morreu no ano 62.
5. Como o mostra a história do Cânon, somente com grande lentidão e resistindo à oposição, é que a Epístola de Tiago se tornou conhecida e até certo ponto aceita como obra do irmão do Senhor, e, por conseguinte, como apostólica canônica.

ESTRUTURA DA CARTA

Acerca da Estrutura da Carta, Maurice Carrez começa a sua pesquisa fazendo duas perguntas.
Terá ela um plano? Essa sucessão de exortações morais mais ou menos desenvolvidas estaria organizada segundo alguns princípios que lhe dêem coerência e permitam falar de verdadeira redação, e não de simples compilação.
Número variável de pequenas unidades? Essa questão foi colocada seriamente de uns 150 anos para cá, e para responder a ela foram feitas as mais diversas tentativas: existem várias opiniões que vão da divisão da carta em doze exortações, dirigidas às doze tribos, até a renúncia total a procura de organicidade entre os temas tratados.
Carrez cita algumas variantes que abordaram o assunto: A TOB, Nouveau Testament, pag. 699; afirma que “é inútil procurar, na epístola, um plano preciso, fora daquele sugerido pelas mudanças de estilo em Tg. 2,1 e 3,13”. Também algumas descobertas engenhosas como a que vê o plano de Tiago no Salmo 12. E ainda o comentário do P. Cantinat distingue 22 unidades; O Jerome Biblical Commentary encontra 14; A TOB, 19 unidades. Segundo Maurice Carrez, essa diversidade na apreciação dos limites a impor a cada exortação, atesta a ausência de critérios suficientemente reconhecidos como eficazes: o que parece é que cada comentador se restringe a impressões pessoais diante de um texto que escorre por entre os dedos.

PESQUISA FECUNDA: A DE CHR. B. AMPHOUX
Esse pesquisador contemporâneo empreendeu o estudo do problema na base do exame minucioso dos processos de redação (principalmente das partículas que coordenam as frases) e, ao mesmo tempo, na base do exame crítico das divisões do texto nos lecionados mais antigos e mais celebres. Nos inspiraremos largamente neles para propormos a seguinte leitura da carta de Tiago:

1. O capítulo um está todo organizado em torno do tema provação-tentação. Uma primeira parte está compreendida entre os vv. 2-4, de um lado, e o v. 12, do outro. Na segunda parte, os vv. 13-25 desenvolvem a exortação sobre o mesmo tema: Primeiro de modo negativo (12-19ª). “Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: ‘É o Senhor que me está tentando!’, “... Porque o mal não vem de Deus (13b-16: em 14-15, segundo o autor, há o mesmo tipo de encadeamento de causas e efeitos que nos versos 3-4).
2. O capítulo dois está organizado em torno do tema da fé, cujo teste foram as provações do capitulo um. Segundo Carrez, o tema da fé é tratado a partir da questão muito mais geral da prioridade da fé sobre as obras, em tom polêmico muito vivo, visto que Tiago se recusa a opor fé e obras, uma vez que a fé tem necessidade das obras para se exprimir como verdadeira. Como na primeira parte do capítulo, o exemplo que faz compreender o enunciado geral é o da presença do pobre na comunidade: não serve para nada encorajá-lo verbalmente a comer e a se vestir. O autor diz ainda que Tiago se apóia em dois personagens do Antigo testamento que manifestaram sua fé pelas obras: Abraão no episódio quando quase sacrificou Izaque. E a prostituta Raab, que indicou o caminho correto aos espias de Josué.
3. O capitulo três e capitulo quatro de 1-10: não é as obras que se deve opor a fé, mas a uma vida que se contentasse com palavras. Segundo Carrez, a exortação avança em três passos, dos quais o segundo e o terceiro começam por interrogação (3,13 e 4,1). “Não quereis todos ser ‘mestres’ ”(3,1) porque este ministério é temível. Ele continua dizendo que de fato o ministro da Palavra está exposto a todos os perigos que o uso da língua faz correr. Referindo-se a Tiago 3,13-18, ele diz que aquele que tem a verdadeira sabedoria não ensina por palavras, porém pelo exemplo de sua boa conduta, e difunde a paz em torno de si.

OS PONTOS ALTOS DA CATEQUESE DE TIAGO

A PROVAÇÃO REVELADORA - UM CRISTIANISMO DE COMBATE ESPIRITUAL, ESFORÇO E AÇÃO.
O valor do cristão se mostra nas provações: elas podem ser perseguições e vexames, mas também acontecimentos muito menos espetaculares, como a perda da riqueza (1,9-11), ou mesmo puramente interiores, como os desejos e as tendências que conduzem ao pecado.

A PRÁTICA EFETIVA
O esforço exigido é efetivo e custoso, porque a Palavra de Deus não é somente uma escuta: ela é um pôr em prática efetivo. E entre as exigências da Lei de Deus não há escolha: ela deve ser observada em sua totalidade; quem a transgride em um ponto transgride-a toda (2,9-11). Por isso, o inimigo é o espírito mundano (4,4ss)

UMA FÉ CONCRETA
A fé se mostra principalmente nas mudanças que introduz na vida concreta: ela deve produzir “obras”, segundo o ensinamento do Antigo Testamento, de João Batista e do próprio Jesus (2,14-26).

UMA OPOSIÇÃO RADICAL ENTRE TIAGO E PAULO?

A este respeito, procurou-se ver em Tiago e em Paulo pontos de vista inconciliáveis. Parece que foram transferidas para o tempo das origens uma problemática e uma polêmica posterior (do século XVI, por exemplo). Com efeito, Paulo, que se fizera o campeão da prioridade da fé em Cristo sobre o cumprimento dos preceitos da Lei mosaica. No processo de justificativa do homem pecador, nunca subestimou as obras produzidas pela fé. Ao contrário, para ele, a fé se manifesta no ágape, que não é puro sentimento interior, mas que sempre se traduz em atos concretos e árduos. Mas devemos notar que Tiago permanece na linha paulina ao apelar para Abraão, pai dos crentes, e não a Moisés. Finalmente, a diferença de totalidade entre Paulo e Tiago se reduz bastante se aceitarmos que Paulo põe o acento mais na primeira justificação do homem pecador, ao passo que Tiago fala da vida dos “justificados” e de sua perseverança na graça.
DESCONFIANÇA DAS PALAVRAS

Ela é um corolário da insistência de Tiago na ação concreta. Nesta perspectiva, um dos grandes perigos que ameaçam a vida cristã é o “muito falar”: é um tempo perdido para a ação ou, pior ainda, um pretexto cômodo para não fazer nada. Nas provações-tentações, a palavra incontrolada põe a culpa em Deus. Tiago opõe a ela a escuta (1,19b em contraste com 13), subentendendo que a escuta gera a ação.
Por isso, a língua deve ser dominada (1,26; 3,5-12), e o cristão é convidado com insistência a fazer coincidir o falar e o fazer (2,12). Alguém poderia, com efeito, contentar-se em confessar-se crente, mas a fé não se manifesta pela palavra somente, mesmo que seja a da confissão de fé: são necessários os atos de amor.
Também a sabedora se exprime menos pelas palavras do que pelos exemplos de boa conduta (3,13). E, depois, falar muito leva a dizer mal dos outros (4,11), e isto é colocar-se no lugar de Deus.
Tiago vai ao ponto de ver perigo no exercício do ministério da Palavra, função, ademais, necessária à comunidade cristã. Sem dúvida, ele mesmo é “mestre”, isto é, o equivalente do rabino judaico, e sabe de que fala quando recomenda: “Não queirais todos ser mestres”, porque isso implica responsabilidade que pesará muito no dia do juízo. É tão fácil “tropeçar em palavras” (3,1s).

TEMAS E PROBLEMAS PARA REFLEXÃO
A POBREZA

Tiago foi testemunha da tradição da Igreja de Jerusalém, cujos membros se chamavam simplesmente “os pobres” e cujos hábitos de partilha dos bens foram estabelecidos no livro dos Atos dos Apóstolos.
O autor estava preocupado com a questão da existência de ricos e pobres na comunidade cristã. A perda das riquezas era provação quase normal, porque a riqueza é como flor que murcha (1,10)! A cobiça está na origem do pecado (1,14s), como de todas as dissensões e conflitos (4,1s). A verdadeira religião consiste em assistir os órfãos e as viúvas (1,27). O exemplo escolhido para explicar em que consiste o preço pelas aparências é o da entrada de um rico e um pobre na assembléia (2,1-9). Para explicar o que são as obras da fé, Tiago escolhe o exemplo da ajuda concreta aos irmãos desprovidos de tudo (2,15-16).
Tiago aproveita várias ocasiões para sublinhar a dignidade dos pobres e a vantagem que a pobreza pode representar como se, para ele, existisse relação entre ser pobre e ser cristão. Para qualquer de condição humilde, ser cristão já é uma espécie de “exaltação” (1,9). Porque “Deus escolheu os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino!” (2,5). Os verdadeiros ricos não são tidos como ricos para com Deus, pois o Senhor está do lado dos oprimidos.
A ALEGRIA
Às bem-aventuranças de Mateus diante de situação de miséria humana, esta carta faz repercutir o apelo admirável á alegria nas provações (1,2). E, em Tiago, a alegria e a felicidade são nota cristã essencial dada desde o começo: a alegria já está na saudação do v.1, porque o verbo empregado significa tanto “exultar’ como “saudar”.

TIAGO E MATEUS

Os conteúdos de Tiago e de Mateus apresentam muitos paralelos do ensinamento de Jesus, conforme alguns poucos exemplos abaixo:
Tiago 1,4: (...) a fim de serdes perfeitos e íntegros, sem nenhuma deficiência.
Mateus 5,48: Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito.
Tiago 1,5 (...) peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos os sem recriminação.
Mateus 7,7: Pedi e vos será dado.
Tiago 2,13: (...) o julgamento será sem misericórdia para quem não pratica a misericórdia.
Mateus 5,7: Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
Tiago 4,4 (...) aquele que quer ser amigo do mundo torna-se inimigo de Deus.
Mateus 6,24: Não podeis servir a Deus e ao Dinheiro.
UNÇÃO DOS ENFERMOS (Tg.5.14-16)

Essa passagem é introduzida em Tg.5.13 com um convite à oração, como resposta para o sofrimento, e louvor a Deus com cantos, como resposta ao sentimento de alegria.
Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungido-o com óleo em nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente, e o Senhor o porá de pé; e se tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados. Confessai, pois, uns aos outros, vossos pecados e orai uns pelos outros, para que sejais curados (5,14-16).
Na pratica posterior da Igreja, a cura dos doentes pela unção feita por um sacerdote foi considerada um sacramento. Inevitavelmente em Tg.5.14-16 afetou os debates entre os reformadores e Roma sobre o número dos sacramentos. A Assembléia XIV do Concilio de Trento (DBS 1716-1719), definiu a extrema-unção como sacramento instituído por Cristo e publicado por Tiago, e decidiu que os presbíteros da Igreja que Tiago aconselha chamar não são simplesmente membros idosos da comunidade, mas sacerdotes ordenados pelo bispo. Alguns pontos acerca da afirmação precisam ser esclarecidos para facilitar o diálogo.
1- Trento declarou que a extrema-unção correspondia ao critério de “sacramento” que se desenvolveu na Idade Média. Não se alegou que a unção dos doentes era compreendida como um sacramento no século I. Entretanto, não dispomos de nenhuma prova de que o sacramento tenha sido usado tão cedo. Da mesma forma, decidiu-se que essa ação sagrada deveria ser administrada por aqueles que na igreja do século XVI, constituíam o clero, ou seja, sacerdotes ordenados, e não simplesmente membros mais velhos da comunidade leiga. Trento não declarou, embora os que estavam presente ao Concilio possam ter presumido que quando Tiago escreveu existiam claramente estabelecidas às funções de bispos e sacerdotes, bem como os ritos de ordenação.
2- Os presbíteros devem ser chamados para ajudar os doentes. Existia uma tradição de que tanto Pedro quanto Paulo realizaram curas (At 3,6;5,15;8-10;28,8). No desenvolvimento da estrutura eclesial, de modo particular na última terça parte do século I, aqueles que eram apontados ou selecionados como presbíteros na comunidade, assumiam algumas funções que antes ou em outro lugar eram desempenhadas por aqueles que reconhecidamente tinham um dom carismático. Assim, é bastante compreensível que o papel de fazer orações pela cura pudesse ser atribuído aos presbíteros.
3- Ungir com óleo em nome do senhor é a primeira coisa na seqüência do que se espera que os presbíteros façam. O óleo de oliveira era usado como remédio na Antiguidade. Lv 14,10-32 ordena a unção com óleo no ritual de purificação da lepra; Is 1,6 fala de feridas que são amolecidas ou aliviadas com o óleo; Jr 8.22 pressupõe o poder sanativo do bálsamo de Galaad. Mt 10.1 indica que a cura de doentes e enfermos era uma ordem. Por toda parte, em Tiago, existe eco da tradição de Jesus. Assim, a prática descrita em Tg.5,14-15 pode ter sido vista como uma continuação do que Jesus havia ordenado. Isso está implícito na realização de unção “em nome do Senhor”.
4- A oração da fé dos presbíteros sobre o enfermo o salvará, e o Senhor o levantará; e, se ele tiver cometido pecados, estes lhe serão perdoados (Tg5,15). A visita aos enfermos e a oração pelos amigos doentes eram encorajadas no Antigo Testamento (Sl 35,13-14). Orar a Deus pela cura de um doente tinha muitas vezes um acento especial porque o pecado era visto como raiz e causa da enfermidade. Por exemplo, os amigos que visitaram Jó queriam orar por e com ele, pedindo-lhe que reconhecesse seu pecado, para que assim Deus o pudesse curar. Tal crença é atestada no século II a.C. Uma continuação de ligação entre pecado e doença pode estar implícita em 1 Cor 11,.29-30, em que a profanação da eucaristia está associada a situação na qual muitos estão doentes, fracos e morrendo. Nos evangelhos, Jesus se apresenta como médico (Mt.9.12, Lc.4.23), e para aqueles que ele curava, ser “salvo” as vezes implicava tanto ser curado da enfermidade quanto receber o perdão dos pecados.
5- A relação de Tiago 5,6 “Confessai, pois, uns aos outros, vossos pecados, e orai uns pelos outros, para que sejais curados”, com o tema precedente é muito discutida. Desde os tempos da Reforma, em oposição à doutrina tridentina da extrema-unção administrada por sacerdotes ordenados, alguns têm considerado o v.16 uma especificação interpretativa dos vv.14-15: os presbíteros eram simplesmente membros mais idosos da comunidade, e a oração e a unção eram simplesmente a atividade destes, nada de autoridade ou do mesmo valor igual dos primitivos a “clero”, que se permite um termo não condizente com a determinação por ordem.