sexta-feira, 13 de novembro de 2009

CANONICIDADE

As opiniões sobre o valor da Epístola de Tiago divergem muitíssimo desde os tempos antigos. Desde cedo, quando surgiram I Clemente e Hermas, já se percebem ecos de Tiago, embora não sejam claros se dão origem à epístola, numa dependência comum de uma tradição parenética. O Fragmento Muratoriano, considerado o representante das Escrituras de Roma no final do século II, não menciona essa epístola. A versão latina antiga de Tiago encontrada no Codex Corbeiensis, colocada entre os escritos extracanônicos, levanta a possibilidade de que a obra foi traduzida para o latim no século III (e talvez posteriormente às outras epístolas católicas). Assim também os principais testemunhos da Vetus Latina não a mencionam. Tiago nunca é citada por Tertuliano, Cipriano, Ireneu ou Hipólito.

Os primeiros vestígios seguros da Epístola de Tiago aparecem 200 anos mais tarde, na Palestina e no Egito, na carta espúria (ilegítima, não genuína) de Clemente de Alexandria, De virginitate, no fragmento de papiro P20, e em Orígenes que a cita principalmente como “escritura”. Eusébio declara que Tiago está entre os antilegomena, É ele quem, pela primeira vez menciona o irmão do Senhor como autor da epístola. As evidências sugerem, pois, que a epístola ainda não era considerada canônica no Ocidente, por volta do ano 200, mesmo sendo conhecida bem cedo em Roma. Na igreja síria ela sofreu restrições. Teodoro de Mopsuéstia rejeitou-a. No começo do século IV, Eusébio ainda a punha entre os livros controversos do NT. Na Igreja grega, porém, ela foi geralmente reconhecida a partir dos sínodos de Laodicéia (360) e do tempo de Atanásio (fim do século IV), o qual deu provas da aceitação de Tiago nas Igrejas de língua grega do Oriente. Sob a influência de Hilário, Jerônimo e Agostinho, ela foi reconhecida como canônica pelos sínodos de Roma (382) e de Cartago (397). No inicio do quinto século, Tiago apareceu em tradução siríaca oficial, a Peshitta. Mas as dúvidas de Jerônimo quanto à sua autenticidade voltaram à tona na Idade Média. E sobre elas se fundamentaram a dúvida cautelosa de Erasmo e a forte polêmica de Lutero.
Carrez vai dizer que as antigas discordâncias em torno da carta contribuíram para novas dúvidas no período da Reforma. Lutero tentou colocar Tiago, junto com Hebreus, Judas e Apocalipse no final do NT, pois a considerava de qualidade inferior “aos verdadeiros, seguros e principais livros do NT”. Além da polêmica da Antiguidade, o apoio que ela dava à extrema-unção como sacramento e a afirmação de que “a fé sem as obras é estéril” colidiam com a exaltação luterana da fé. Mesmo reconhecendo nela afirmações muito boas, Lutero considerava-a como epístola de palha, quando comparada ao puro ouro do evangelho. Ele disse que, contradizendo Paulo, Tiago ensina a justificação pelas obras, não prega Cristo, mas a Lei e uma fé generalizada em Deus. E por isso não pode figurar na Bíblia ao lado dos principais livros específicos do NT. Trata-se de um escrito desorganizado e judaico, e ,portanto, não-apostólico, ainda que tenha boas afirmações. Oscar Cullmann argumenta que o fato de não falar da salvação operada por Jesus não prova nada. O caráter de parênese, ou seja, exortação e ensinamento de sabedoria em estilo popular, da carta, dispensa referência explícita à obra redentora de Cristo. Assim as parêneses que terminam as epístolas paulinas também, muitas vezes, não contêm alusões à obra de salvação cumprida por Jesus. E não se diz que estas não foram escritas por um judeu cristão ou que não têm validade canônica.
Kummel coloca que a oposição feita a Tiago, a propósito de seus fundamentos dogmáticos, na igreja antiga (não-apostólica e, portanto, não canônica), e em Lutero (incompatível com o evangelho paulino), foi retomada no século XIX sob a forma de dúvidas sobre sua autenticidade baseadas em fundamentação crítica e histórica. De Wette negou sua autenticidade levando em conta sua linguagem num grego fluente que dificilmente poderia ser atribuído a Tiago, irmão do Senhor. O criticismo de tendência considerou a epístola como combate à doutrina de Paulo sobre a justificação pela fé e abandono da sustentação do cristianismo judaico primitivo de ênfase da Lei. E obra pseudepigráfica do segundo século, representativa de um catolicismo que se aproximava do cristianismo judaico. A tese de Spitta e Massebieau (1895/96) afirmou que Tiago era um escrito judaico transformado num livro cristão mediante a introdução do nome de Cristo (1.1; 2.1). Meyer foi ainda mais longe, afirmando ser esta carta uma revisão cristã de um escrito básico judaico, reminiscência dos Testamentos dos Doze da família de Jacó. Mas a maioria dos estudiosos rejeitou esta hipótese como demasiadamente artificial, pois não existe exemplo de alegoria de nomes desses descendentes no texto.
Segundo Kummel, “Tg oferece uma coletânea de elementos procedentes da tradição parenética, uma sucessão de advertências de conteúdo ético geral” (p.534). Muitos estudiosos e peritos interpretam-na como o primeiro exemplo de escrito baseado nas palavras de Jesus, mais especificamente do Sermão da Montanha, considerando-a, portanto, como obra de um homem da primeira geração, um judeu-cristão tardio.
Carrez afirma que, apesar da suspeita que Lutero fez pairar sobre o caráter apostólico da epístola de Tiago, maior parte das Igrejas que saíram da Reforma conservaram-na entre as Escrituras canônicas. A proposta de reorganização do cânone por Lutero foi posteriormente abandonada e Melanchthon harmonizou a aparente contradição entre Tiago e Paulo. Devemos notar que Tiago permanece na linha paulina ao apelar para o exemplo de Abraão, pois “a fé concorreu para as suas obras e pelas obras é que a fé se realizou plenamente” (Carrez, p.299). Não existe um abismo entre a afirmação de que a fé sem as obras é estéril (Tg.2.20) ou morta (2.26) e a de Gl.5.6, segundo a qual a única coisa que importa é “a fé que opera pelo amor-caridade”. A diferença de tonalidade entre Paulo e Tiago se reduz se aceitarmos que Paulo põe o acento mais na primeira justificação do pecador, ao passo que Tiago fala da vida dos “justificados” e de sua perseverança na graça.
Mesmo depois de Melanchthon, nos séculos seguintes, muitas vezes Tiago ainda foi considerada produto tardio do cristianismo ebionita ou judeu-extremista, ou obra inferior, especialmente no meio protestante e quando comparada às cartas de Paulo.
No livro Introdução ao Novo Testamento, Brown mostra uma nova situação:
“À altura da segunda metade do século XX, porém, com a elevação do senso cristão acerca da moralidade social, a reticência de Paulo em mudar as estruturas sociais (p. ex., sua tolerância à escravidão) sofreu crescentes críticas, ao passo que Tiago foi ganhando simpatia. A máxima “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso?” – exemplificada pela provisão de roupas aos maltrapilhos, alimento aos que diariamente passam fome (Tg 2,14-16) – foi considerada corretivo importante para a insensibilidade social do cristianismo. A ausência de declaração cristológica em Tiago permanece um problema (“Jesus Cristo” apenas duas vezes: Tg 1,1; 2,1), mas, para uma geração surgida na teologia da libertação, a preocupação social é mais importante. (De forma mais penetrante, pode-se dizer que Tiago mostra uma profunda compreensão de como tornar a cristologia significativa para a vida cristã, como o fez o próprio Jesus, pois, embora apresentado nos evangelhos sinóticos como o Filho de Deus, não apregoou tal identidade explicitamente, mas explicou a Boa-Nova do reino aos pobres, aos famintos e aos perseguidos.) Muitos, portanto, fazendo eco a Tg 1.27, que declara que a verdadeira religião consiste em socorrer os órfãos e as viúvas em suas necessidades, discordam vivamente da afirmação de que Tiago é uma carta de palha. Essa mudança de mentalidade é uma permanente advertência acerca da depreciação de uma ou outra obra do NT como de somenos valor. Aquilo que uma geração despreza outra pode considerar o coração do evangelho.” (p.968-969)
Brown, nessa mensagem, corrobora as palavras de Coelho Filho, o qual diz que a epístola de Tiago não diminuiu sua importância ao longo dos séculos. Sua mensagem para nós, nos dias de um cristianismo superficial e acomodado no mundo contemporâneo, é tão urgente como foi no primeiro século.

7 comentários:

  1. Gente, muito bom o nosso esforço mais uma vez neste semestre. Espero que Deus continue nos capacitando para que podemos aprender mais a desenvolver mais o nosso foco que é o aprendezagem bíblico. beijos

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  2. Muito bom! todo contexto que foi sabiamente colocado pela entao equipe sobre a Epistola de Tiago,ou seja, gostei muito e pude crescer com todo este amparato de estudo que foi minuciosamente colocado tando na sala nas apresentaçoes quanto tambem no blog.

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  3. Galera, gostei da postagem, a pesquisa foi muito boa e a equipe está de parabéns. Aprendemos muito nesse semestre sobre o NT as apresentações foram perfeita, espero que a turma continue assim - Seja bem vindo quarto ano!kkkk. Antonio Sérgio.

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  4. Equipe, o blog ficou muito bom, e com esse formato vai ser mais uma ferramenta que usaremos para nossas pesquisas particulares.
    Parabéns companheiros!

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  5. Olá pessoal, gostei muito desse trabalho sobre a carta de Tiago, pela maneira com foi apresentado, seus ricos detalhes que nos permitiu ter um olhar mais ampliado para esta carta e por todo o empenho da equipe. Parabéns e boas férias.

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  6. Olá!!
    O blog ficou muito bom, parabéns pela ampla pesquisa vocês fizeram. Que esse trabalho nos impulsione a buscar cada vez mais.
    Bjinho

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  7. PArabéns a toda equipe pelo belo trabalho...
    q Deus continue nos abençõando...
    a equipe trouxe uma pesquisa muito boa...

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